segunda-feira, 2 de março de 2009

Como interpretar a Bíblia corretamente? (3)

A análise do contexto de uma passagem bíblica possibilita a distinção entre os sentidos literal e alegórico. Mas isso não é o suficiente para levar ao entendimento do sentido exato de um texto, haja vista as passagens alegóricas serem apresentadas sob diversas figuras de retórica. A dificuldade em defini-las pode levar o estudioso a conclusões precipitadas.

Vejamos alguns exemplos de figuras de linguagem que aparecem nas páginas inspiradas:

1) Metáfora — emprego de um termo que se associa a outro, mostrando a característica de uma pessoa ou coisa. Ao afirmar que era o “pão”, a “luz”, a “porta” e o “caminho”, Jesus quis revelar algumas de suas características (Jo 6.35; 8.12; 10.9; 14.6). De igual modo, o salmista falou da firmeza que tinha em Deus, dizendo: “Sê tu a minha habitação forte, à qual possa recorrer continuamente; (...) pois tu és a minha rocha e a minha fortaleza”, Sl 71.3.
Em Mateus 5.13-16, Jesus disse aos seus discípulos que eles eram o “sal da terra” e a “luz do mundo”, mencionando na própria passagem a importância do sal e da luz. Falando sobre o cuidado que devemos ter com a nossa visão, o Senhor também empregou a linguagem metafórica: “A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz”, Mt 6.22. Outros exemplos: Lc 13.31,32; 1 Tm 3.15.
2) Sinédoque — figura pela qual se emprega o todo pela parte ou vice-versa. Quando dizemos “Todo mundo está presente”, estamos querendo mostrar que todas as pessoas estão em um determinado local. Da mesma forma, dizemos: “Não veio ninguém”, quando poucas pessoas estão presentes.
A sinédoque ocorre na Bíblia em Atos 24.5 e Colossenses 1.23, entre outros textos. Na primeira passagem, é empregada a expressão “todo o mundo” em lugar de “todo o império romano”. Já o texto de Colossenses usa “toda criatura que há debaixo do céu” em vez de “todas as pessoas do mundo conhecido”.
3) Hipérbole - figura que realça um pensamento por meio do emprego de expressão exagerada. Os vendedores costumam usar o jargão “Esse produto tem mil e uma utilidades” para enfatizar que um produto possui, na verdade, muitas utilidades. Por que eles não dizem o número exato de utilidades? Porque, nesse caso, a hipérbole transmite a mensagem de forma mais eficaz. Por isso, alguns escritores da Bíblia empregaram expressões hiperbólicas.
Ao concluir o seu livro, João afirmou que “o mundo todo” não conteria os livros, caso ele relatasse todas as realizações de Jesus (Jo 21.25). Recorrendo, também, à linguagem hiperbólica, o salmista disse: “... toda a noite faço nadar a minha cama, molho o meu leito com as minhas lágrimas”, Sl 6.6. Imaginemos a cena... Davi chorando tão intensamente, a ponto de nadar em suas próprias lágrimas! É claro que isso é uma figura de linguagem.
4) Prosopopéia - consiste na personificação de coisas inanimadas. Usamos essa figura, por exemplo, para nos referirmos a um carro que gasta muito combustível: “Esse carro bebe demais”. Na Bíblia, vemos o emprego da prosopopéia em Isaías 55.12: “... os montes e os outeiros exclamarão de prazer perante a vossa face, e todas as árvores do campo baterão palmas”.
A conhecida (mas sempre bela) narrativa do Salmo 19 diz que os “céus manifestam a glória de Deus” (v. 1) e “um dia faz declaração a outro dia” (v. 2), entre outras expressões. No Salmo 35.10, Davi afirma que seus ossos são capazes de falar, enquanto o Salmo 85.10 registra um beijo curioso: “... a justiça e a paz se beijaram”. Mas o livro mais rico em personificações é Provérbios. Leia: 1.20-33; 6.13; 9.1-3.
5) Metonímia - emprego da causa pelo efeito ou do símbolo pela realidade. A frase “Sou alérgico a cigarro” apresenta uma utilização de causa pelo efeito, visto que a pessoa é alérgica à fumaça do cigarro e não ao cigarro. Quanto ao emprego do símbolo pela realidade, vale lembrar o fato de comprarmos diversos produtos pela marca, como: “Bom-Bril” em vez de palha de aço; “Danone” em vez de iogurte; “Gillete” em vez de lâmina de barbear.
Em Lucas 16.29, “Moisés e os profetas” são empregados em lugar de “o Pentateuco” (livros de Moisés) e “os escritos dos profetas”. Com respeito à Ceia, Paulo disse: “Porque todas as vezes que (...) beberdes este cálice anunciais a morte do Senhor, até que venha”, 1 Co 11.26. Nesta passagem e em outras, a palavra “cálice” denota, na verdade, o conteúdo de um cálice.

(continua...)

Ciro Sanches Zibordi

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